Guilherme Reis
O Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia promoveu uma rodada exploratória de debates sobre Direito e Economia da Música, a qual contou com a importante presença de Leoni, ex-integrante da banda Kid Abelha e um dos participantes centrais no rock brasileiro desde a década de 1980.
A partir dos debates realizados, pode-se concluir que o progressivo movimento de digitalização da música ocorrido nas últimas décadas alterou drasticamente o panorama existente nos tempos do vinil ou do CD. Mais recentemente, os diversos elementos da indústria musical vêm se reposicionando, em grande medida graças ao crescimento que as plataformas de streaming têm tido enquanto uma importante fonte de renda no que se refere ao consumo legal de música. Contudo, o estágio atual de reposicionamento dos atores da indústria musical, mais uma vez, privilegia as grandes corporações em detrimento dos autores, intérpretes e músicos que participam da criação e da execução de tais ativos culturais.
No referido evento, foram debatidas ainda as principais questões envolvendo o papel preponderante das plataformas de streaming no consumo de música, bem como os principais elementos que constituem a chamada indústria fonográfica.
Segundo o compositor e cantor Leoni, embora tenha havido um processo de barateamento da gravação e da distribuição de música com a internet, as gravadoras, por deterem os direitos sobre os fonogramas dos artistas baseados em contratos firmados para meios analógicos, ficam com a maior parte dos ganhos, uma vez mantidos os percentuais previstos em tais contratos.
Além disso, a inadequação dos conceitos presentes na Lei de Direitos Autorais vigente (Lei 9.610/98) ao ambiente digital faz com que as soluções adotadas sejam insuficientes. Dessa forma, Leoni ressaltou que a falta de clareza sobre o tipo de utilização que tais plataformas fazem das gravações existentes em tais serviços dificulta o devido recolhimento dos direitos conexos devidos aos artistas e aos músicos participantes de tais fonogramas.
Outro ponto importante ressaltado nos debates foi o de que o processo de internacionalização de tais empresas de entretenimento dificulta a efetivação de alguns direitos por parte dos titulares brasileiros. Uma vez que plataformas como o Youtube e a Apple Music são multinacionais norte-americanas e os EUA possuem uma resistência em reconhecer os direitos conexos devidos a artistas e músicos de forma plena, a fruição de tais direitos pelos brasileiros se torna mais difícil.
Outra questão levantada pelo convidado Leoni foi o da importância das ações governamentais para o fortalecimento da cultura no Brasil. Tendo em vista a fragmentação da classe artística, o Estado possui forte papel indutor e garantidor dos direitos de tal segmento socioeconômico. Assim, movimentos como a recriação do Ministério da Cultura e a efetiva fiscalização do Ecad por aquele são exemplos de atos que auxiliariam na promoção de uma atividade cultural sólida e ciente dos direitos de seus participantes.
Dentre outros temas que foram objeto de discussão, podem ser citados o alto grau de informalidade da classe artística, o que impacta em questões civis, trabalhistas e previdenciárias; a especificidade da legislação pertinente a tal atividade, o que, muitas vezes, gera uma percepção imperfeita por parte dos membros do Poder Judiciário sobre as questões referentes a tal ramo jurídico; e a atuação crescente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) envolvendo a Propriedade Intelectual de forma geral, a exemplo do caso do uso da marca “Legião Urbana” ou do caso da validade do contrato de cessão das masters de João Gilberto à gravadora EMI.
Em tempos de mudanças tão rápidas e profundas no campo musical, um debate amplo e cooperativo com os principais elementos da Indústria da Música no Brasil é necessário para que, uma vez identificadas as principais questões do setor, se busquem soluções que equalizem os interesses em jogo, a fim de que a música brasileira assuma cada vez mais protagonismo e se consolide como uma atividade econômica forte, concretizando todo o seu potencial enquanto geradora de cultura, de empregos e de bem estar para toda a sociedade brasileira.
Com a recriação do Ministério da Cultura no novo Governo Lula, espera-se que haja a retomada de um ambiente institucional aberto e receptivo às demandas do setor criativo brasileiro e que o Estado possa ser um indutor na concretização do impacto econômico e social da atividade artística na sociedade brasileira. Apenas com um amplo diálogo entre os diversos atores da indústria musical é que se conseguirá chegar a um aprimoramento constante de tal atividade.
*Guilherme Reis é graduando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Foi monitor da disciplina Direito Industrial na referida Universidade. É estagiário do Escritório Adacir Reis Advocacia.