O Projeto Justiça Comunitária do Distrito Federal nasceu a partir da experiência advinda do Juizado Especial Cível Itinerante do TJDFT, o qual busca atender as comunidades do Distrito Federal com dificuldades de acesso à justiça formal. Durante os primeiros três anos – entre 1999 e 2001 – de experiência no interior de um ônibus especialmente adaptado para a realização de audiências, foi possível constatar a absoluta falta de conhecimento dos cidadãos em relação aos seus direitos e, ainda, a dificuldade de produção probatória, tendo em vista a informalidade com que os negócios são firmados nestas comunidades.
Um fato, porém, revelava o êxito da experiência. Aproximadamente 80% da demanda do Juizado Itinerante resultavam em acordo. Esse dado confirmou que a iniciativa do ônibus efetivamente rompeu obstáculos de acesso à justiça, tanto de ordem material quanto simbólica. A ruptura com a ‘liturgia forense’ e a horizontalidade com a qual as audiências eram realizadas, ajudaram a criar um ambiente de confiança favorável ao alto índice de acordos constatado.
Contudo, apesar dos acordos não resultarem de nenhum tipo de coerção, o que se verificava, à época, era que nem sempre os seus conteúdos correspondiam ao sentimento de justeza trazido por cada parte ao processo. Como a produção probatória era difícil, os acordos pareciam resultar de uma razão meramente instrumental que levava à renúncia parcial do direito, a fim de se evitar os riscos de uma sucumbência total. Esse ‘consenso da resignação’, pois, parecia contrariar todo o esforço de se buscar a democratização do acesso à justiça formal.
Essas constatações impulsionaram a reflexão sobre a possibilidade de se desenvolver na comunidade espaços nos quais fossem possíveis a democratização do acesso à informação e o diálogo visando consensos justos do ponto de vista de seus protagonistas. Para tanto, o clássico ‘operador do Direito’ deveria ceder lugar a pessoas comuns que partilhassem o código de valores e a linguagem comunitária e, desta forma, pudessem fazer as necessárias traduções. Delineava-se, assim, o primeiro esboço do Projeto Justiça Comunitária.
O Programa Justiça Comunitária foi criado em outubro de 2000 com o objetivo de democratizar a realização da justiça, restituindo ao cidadão e à comunidade a capacidade de gerir seus próprios conflitos com autonomia e solidariedade, atuando preventivamente, antes de instaurada a demanda judicial. Ele estimula a comunidade a desenvolver mecanismos próprios de resolução de conflitos, por meio do diálogo, da participação comunitária e da efetivação dos direitos humanos. Ou seja, estimula a comunidade a construir e a escolher seus próprios caminhos para realização da justiça, de maneira pacífica e solidária. Para isso, conta com voluntários da própria comunidade treinados que são os Agentes Comunitários de Justiça e Cidadania. Eles agem como facilitadores de diálogos, visando à construção do consenso e ao fortalecimento da comunidade.
O QUE FAZEMOS E COMO FAZEMOS
O Programa Justiça Comunitária adota a comunidade como esfera privilegiada de atuação. Para que o programa de justiça a ser desenvolvido seja efetivamente comunitário, é indispensável que seus principais operadores – Agentes Comunitários de Justiça e Cidadania – sejam integrantes da comunidade na qual se pretende atuar, porque não haveria sentido algum se a abordagem efetivamente comunitária de realização da justiça dependesse da atuação direta de técnicos sem qualquer afinidade com a ecologia local, ou seja, a linguagem e o código de valores próprios.
O fato de os agentes comunitários necessariamente pertencerem aos quadros da comunidade na qual o Programa opera é essencial para que haja sintonia entre os anseios e as ações locais. É por meio do protagonismo dos agentes locais que a comunidade poderá formular e realizar a sua própria transformação.
O Programa conta, atualmente, com 90 agentes comunitários que desempenham as suas atividades sob a regência da Lei n° 9608/98, que dispõe sobre o serviço voluntário. Os agentes comunitários são credenciados junto ao Programa por meio de um processo de seleção na comunidade levado a efeito por sua equipe multidisciplinar. Encerrada essa etapa, os selecionados iniciam uma capacitação permanente junto ao Centro de Formação e Pesquisa em Justiça Comunitária, o qual tem por objetivo promover a formação dos Agentes Comunitários, por meio do intercâmbio multidisciplinar com atividades teóricas e práticas. Para tanto, oferece noções básicas de Direito e formação em animação de redes sociais e direitos humanos; propicia treinamento em técnicas de mediação; promove discussões teóricas multidisciplinares; oferece atividades práticas para a capacitação do Agente Comunitário; realiza o acompanhamento e avaliação das atividades do agente; trabalha a visão crítica dos agentes em relação à ação e escuta dos problemas comunitários e busca produzir conhecimento na área de mediação comunitária.
A execução do Programa conta com a participação de uma equipe multidisciplinar, cujos membros têm o papel precípuo de educadores considerando o processo de formação continuada oferecido aos Agentes Comunitários. Essa equipe dá suporte técnico e administrativo às atividades desempenhadas pelos agentes e é composta de servidores e estagiários do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, das seguintes áreas do conhecimento: direito, serviço social, psicologia, dramaturgia, ciência política, além da equipe administrativa.
Em reuniões periódicas, esse corpo técnico examina as demandas trazidas pelos Agentes Comunitários, sob diferentes perspectivas profissionais. Essa análise, somada à experiência e ao conhecimento local dos agentes, propicia que a abordagem do conflito, construída sob a ótica de diversos saberes, indique possibilidades múltiplas para o encaminhamento das demandas levadas ao Programa. Essas reuniões, que se articulam para a análise de casos concretos, possibilitam, ainda, constatar a adequação ou não da demanda para a mediação e quais os encaminhamentos possíveis para a rede social ou judicial, quando for o caso. Nesse sentido, além de assegurar que o saber local participe deste diálogo, a presença do Agente Comunitário é fundamental para a sua permanente formação.
Cada Agente Comunitário atua, preferencialmente, na área adjacente ao seu local de moradia, atendendo as demandas individuais e/ou coletivas que lhe forem apresentadas diretamente pelos cidadãos ou encaminhadas pelo próprio Programa. A depender da natureza do conflito apresentado, várias são as possibilidades que podem ser propostas aos solicitantes. De qualquer sorte, sempre que possível, o agente buscará estimular o diálogo entre as partes em conflito, propondo, quando adequado, o processo de mediação. Basicamente, as atividades desempenhadas pelos Agentes Comunitários são as seguintes: 1) educação para os direitos; 2) mediação comunitária e; 3) animação de redes sociais.
A primeira atividade – Educação para os Direitos – tem por objetivo democratizar o acesso às informações dos direitos dos cidadãos, decodificando a complexa linguagem legal. As atividades de educação para os direitos do Programa têm por base a produção e a apresentação de recursos pedagógicos – cartilhas, musicais, cordéis e peças teatrais – criados sob a inspiração da arte popular que, além de contribuir para a democratização do acesso à informação, fortalece as raízes culturais brasileiras e o resgate da identidade cultural entre os membros da comunidade. Além da produção e apresentação desse material didático na comunidade, os Agentes Comunitários realizam a Educação para os Direitos por meio de encaminhamentos sócio-jurídicos. Isto significa afirmar que, quando o conflito não pode ser submetido à mediação – seja porque as partes não o desejam ou em razão da natureza da demanda não o permitir – os Agentes Comunitários fornecem informações para que os solicitantes possam encaminhar suas demandas aos órgãos – da rede social ou judiciária – adequados.
A mediação comunitária, por sua vez, é uma importante ferramenta para a promoção do empoderamento e da emancipação social. Por meio desta técnica, as partes direta e indiretamente envolvidas no conflito têm a oportunidade de refletir sobre o contexto de seus problemas, de compreender as diferentes perspectivas e, ainda, de construir em comunhão uma solução que possa garantir, para o futuro, a pacificação social. Qualquer que seja a técnica de mediação a ser aplicada, os elementos essenciais que a caracterizam são os mesmos: a) o processo é voluntário; b) o mediador é terceira parte desinteressada no conflito; c) o mediador não tem poder de decisão; d) a solução é construída pelas partes em conflito.
Quando operada em base comunitária, a mediação ganha especial relevo na medida em que os mediadores são membros da própria comunidade. Nesse sentido, embora imparciais em relação ao interesse dos participantes, integram a ecologia local, o que os torna aptos a identificar quais são os valores relevantes para a construção da solução. Além disso, a dinâmica da mediação comunitária fortalece os laços sociais na medida em que opera pela, para e na própria comunidade, convertendo o conflito em oportunidade para se tecer uma nova teia social.
A terceira atividade – Animação de Redes Sociais – refere-se ao entendimento de que o desenvolvimento local, quando integrado e sustentável, possibilita a emergência de comunidades capazes de identificar e mobilizar recursos locais, além de conhecer suas vocações e reais capacidades. O Agente Comunitário, como articulador de uma rede de cidadania, identifica – em comunhão com os representantes dos movimentos sociais já instituídos – as carências comunitárias que possam ser transformadas em oportunidade de mobilização social e promoção de mediações de natureza coletiva. Esse processo contribui para restituir à comunidade a capacidade da autodeterminação diante de seus conflitos.
Por meio do desenvolvimento da atividade voltada à animação das redes sociais, o Programa Justiça Comunitária reforça a sua aposta na realização da justiça por meio da ação cidadã, que se desenvolve a medida que esses novos atores sociais, tecelões desta rede de iniciativas solidárias, multiplicam, na diversidade, as atividades voltadas ao bem estar comunitário.
A animação de redes sociais, sobretudo, diz respeito à transformação do conflito – por vezes, aparentemente individual – em oportunidade de mobilização popular e criação de redes solidárias entre pessoas que, apesar de partilharem problemas comuns, não se organizam até porque não se comunicam.
O locus de atuação dos Agentes Comunitários é a comunidade e seus inúmeros locais públicos – não necessariamente estatais – e privados que podem acolher as atividades desempenhadas pelos Agentes Comunitários, sejam elas as sessões de mediação, sejam as reuniões na comunidade. Contudo, é importante que haja um local que possa dar suporte ao Agente Comunitário em algumas situações: a) quando necessária a orientação da equipe multidisciplinar para a análise de um caso complexo que requeira uma reflexão múltipla; b) quando as partes envolvidas no conflito não aceitam submeter-se à sessão de mediação em nenhum dos locais da comunidade propostos pelo mediador; c) quando os próprios mediadores sentem-se inseguros para realizar a mediação, em local distinto daquele onde se encontra a equipe multidisciplinar, dentre outros.
Essa estrutura organizacional mínima conta com uma equipe administrativa que também se instala em um local físico que reúna todas as informações relevantes para os Agentes Comunitários e para o Programa: é o Núcleo Comunitário de Justiça e Cidadania – um espaço de convergência para que os Agentes Comunitários possam se encontrar, partilhar experiências, confraternizar e vivenciar o pertencimento.
Atualmente, o Programa possui três Núcleos Comunitários de Justiça e Cidadania instalados nas cidades de Ceilândia, de Taguatinga e de Samambaia, atendendo a toda a população dessas comunidades no que se refere à solução pacífica dos conflitos comunitários.
Por fim, a experiência do Programa Justiça Comunitária do Distrito Federal revelou que é possível promover, na prática, o alargamento do conceito de justiça, reduzindo as tensões sociais e construindo redes de solidariedade a partir da articulação de projetos comuns com os movimentos sociais e da criação de meios autônomos de resolução de conflitos.
Programa Justiça Comunitária
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