-O Agronegócio e a PEC do Teto
Adacir Reis*
Historiadores registram que Juscelino Kubitschek, na sua sonhada segunda campanha presidencial que acabou não acontecendo, pretendia apresentar ao País um programa de governo com o lema “Cinco anos de agricultura, cinquenta anos de fartura!” A idéia é hoje ainda mais atual.
O Brasil vive um momento difícil e um dos temas centrais em discussão é a Proposta de Emenda Constitucional 55/2016 no Senado (PEC 241 na Câmara), que pretende fixar um teto para os gastos públicos (a famosa “PEC do Teto”).
Como a PEC 55 estabelece limites globais para cada Poder, haverá anualmente, em cada votação orçamentária, disputas entre os mais diversos segmentos do mercado e entre corporações do serviço público sobre o quinhão orçamentário que caberá a cada qual.
Portanto, mais do que nunca, seria importante existir uma Lei Plurianual Agrícola capaz de romper com o drama vivido em cada Lei Orçamentária Anual. Hoje não há previsibilidade. Qual o montante do orçamento público destinado para o crédito rural nos próximos anos? Não se sabe. Qual o montante para a subvenção do seguro agrícola? Não se sabe. Haverá realmente dinheiro para o tão importante senso agropecuário? Só Deus sabe.
O setor do agronegócio, por natureza, já convive com grandes incertezas, como as climáticas e as decorrentes de pragas e de fungos. Para reduzir a insegurança e propiciar maior planejamento no campo, conforme defendido pela senadora e ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu, uma lei plurianual, em sintonia com as bases fixadas pela Lei Agrícola 8.171, de 1991, poderia ser um apoio objetivo aos produtores rurais, cooperativas e às empresas agroindustriais. Aliás, é o artigo 187 da Constituição Federal que exige uma “política planejada” para o setor agrícola.
A famosa Farm Bill dos Estados Unidos, aprovada em média a cada cinco anos pelo Congresso, nos mostra o quanto é mais racional e eficiente uma legislação com um horizonte que vai além do exercício orçamentário de cada ano. Contar com uma legislação plurianual, com definição de metas e mobilização de esforços para além da curta dimensão temporal de uma ou duas safras, significaria otimizar os recursos financeiros existentes.
Como lembrou o Presidente Obama por ocasião da sanção da Farm Bill de 2014, em grandiosa cerimônia na Universidade de Michigan, uma lei agrícola é muito mais que um programa setorial, pois se trata de “uma lei do emprego, uma lei da inovação, uma lei da pesquisa e uma lei da conservação”.
Para se ter uma ligeira ideia do que seja a Farm Bill Americana, basta dizer que resulta de intensos debates legislativos e acaba sendo editada com um quórum que traduz uma grande convergência suprapartidária (no Senado foi aprovada, em janeiro de 2014, por 68 votos a 32). A atual Farm Bill contém doze títulos, abrangentes e integrados. São eles: I – Commodities; II – Conservação; III – Comércio; IV – Nutrição; V – Crédito; VI – Desenvolvimento Rural; VII – Pesquisa e Extensão; VIII – Florestas; IX – Energia; X – Horticultura; XI – Seguro de Safras; XII – Assuntos Diversos.
Trata-se de uma verdadeira política pública, com propósitos, metas, dotações orçamentárias, responsabilidades públicas e privadas e com preocupações econômicas, sociais, ambientais e de segurança alimentar. O documento americano, que transcende a esse ou aquele governo, trata de política de preços, seguro, pesquisas, logística e tantos outros temas.
Em um contexto de rigoroso ajuste fiscal, no qual um novo comando constitucional pretende vir ao mundo para valer, uma Farm Bill brasileira poderia ser um avanço institucional para assegurar ao setor agrícola um patamar de apoio governamental por um horizonte maior, com planejamento, superação das atuais oscilações orçamentárias e mais segurança jurídica.
Uma poderosa Farm Bill brasileira funcionaria como um grande referencial para o setor público, que a partir da aprovação da PEC do Teto terá que fazer mais com menos. Significaria um aprimoramento jurídico em termos de peça orçamentária e ainda um norte financeiro para os agentes de mercado, inclusive para investidores, já que o capital privado terá que assumir, cada dia mais, o protagonismo no financiamento da atividade agrícola.
Ainda que da “porteira para dentro” o agronegócio esteja bem melhor do que da “porteira para fora”, há muito por fazer, apesar dos avanços decorrentes do trabalho dos produtores rurais. Uma Lei Plurianual Agrícola, quinquenal, não seria uma agenda apenas para o agronegócio, mas para todo o Brasil.
*Adacir Reis é advogado e sócio do Escritório Reis, Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira Advocacia. É presidente do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia. Foi membro da Comissão de Juristas do Senado Federal para a Reforma da Lei de Arbitragem e Mediação.
Artigo publicado originalmente no site jurídico JOTA, do UOL, em 28.11.2016.